Quando vamos a um concerto, ouvimos com deleite a sinfonia ou a tocata, numa sala acolhedora e preparada para nos encher ouvidos e alma com aquele som. Mas já pensou na quantidade de horas que cada músico despende para chegar àquela perfeição e harmonia? Se fosse vizinho de um deles, saberia por certo. O som de um piano, de um violino ou de outro qualquer instrumento propaga-se pelo edifício, ou até pela rua inteira. Ao fim de algumas horas, o ruído pode começar a incomodar.
Todos sabemos, por outros motivos que não a arte – mudanças, obras, entre outros sons incomodativos – que a lei destina o horário entre as sete e as 23 horas para realizar as atividades quotidianas. Não há distinção para fins de semana, ao contrário do que se possa pensar. Se um ruído ocorrer entre as 23 e as sete horas, as autoridades podem ordenar que sejam adotadas medidas adequadas para que termine imediatamente.
Mas, mesmo fora deste período, as autoridades podem fixar um prazo a quem produz o ruído para que o incómodo termine. Ou seja, independentemente do horário, as autoridades podem ser chamadas se o ruído causar incómodo aos vizinhos.
O incumprimento das normas constitui uma contraordenação ambiental leve: quando praticadas por pessoas singulares, a coima aplicável é de 200 a 2000 euros em caso de negligência, e de 400 a 4000 euros em caso de dolo. Se forem praticadas por pessoas coletivas, a coima é de 2000 a 18 000 euros em caso de negligência, e de 6000 a 36 000 euros em caso de dolo.
É claro que o som da música não é o mesmo que o ruído caótico e estridente produzido por máquinas que fazem obras nos andares vizinhos. De qualquer modo, deve imperar o bom senso: se, excecionalmente, algum vizinho se queixar, convém guardar a partitura e fechar o piano (ou o violino, ou a guitarra...) durante algum tempo.
As autoridades podem identificar os autores do ruído e admoestá-los, no sentido de interromper aquela situação. Mas o caso pode ser levado a tribunal e, em caso de condenação, os intérpretes musicais podem ser condenados não só a abster-se de produzir ruído, como a pagar uma indemnização pelos danos causados.
A título de exemplo, tal foi o que resultou do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7 de abril de 2016, depois de se provar o ruído provocado pela utilização de um piano para preparação de aulas da filha da proprietária de um apartamento. Para agravar, durante os exercícios, o toque de piano era acompanhado pela marcação do ritmo, mediante o bater do pé no chão.
Tal conduta provocou transtorno a um dos vizinhos, que acabou por intentar uma ação contra a mãe da criança. O Tribunal da Relação de Lisboa condenou a ré a abster-se de permitir o toque de piano acompanhado do ritmar com “sapateado”. Além disso, o toque de piano foi permitido apenas entre as 10 e as 18 horas nos dias úteis, e entre as 12 e as 20 horas nos sábados, domingos e feriados, e não mais de duas horas por dia. Foi ainda condenada a pagar ao vizinho 5000 euros a título de indemnização por dano não patrimonial e 622 euros por danos patrimoniais.
De acordo com o Tribunal da Relação, embora o direito ao repouso - sobretudo de pessoa doente - prevaleça sobre o da prática de lições de piano na habitação, devem os mesmos conciliar-se, em termos de equidade.
Deve imperar o bom senso, num equilíbrio entre a arte e a necessidade de repouso dos vizinhos.
Entre outras entidades, compete à GNR e à PSP – ou, quando aplicável, à polícia municipal – receber as reclamações relacionadas com o ruído proveniente das habitações dos vizinhos. Os problemas relativos ao ruído de vizinhança têm vindo a assumir importância nos últimos anos, pelo que algumas câmaras municipais, como a de Lisboa, já disponibilizam uma linha telefónica para atender estes casos.